quarta-feira, 1 de maio de 2019

O SENTIDO ESPIRITUAL DO 1º DE MAIO

Ele defendeu a causa do pobre e do necessitado, e, assim, tudo corria bem. Não é isso que significa conhecer-me? Declara o Senhor.” Jeremias 22:16


Não há como ser cristão e compreender biblicamente a mensagem do evangelho sem participar ativamente das lutas dos trabalhadores em defesa dos seus direitos, por vários motivos que passo a resumir em três aspectos principais:

Primeiro, as trabalhadoras e os trabalhadores dependem da sua força de trabalho para sobreviver, é do seu labor que adquirem sustento, seja em forma de salário ou de renda; em sua relação com o mundo corporativo, patronal, são a parte frágil e que pode, a qualquer momento, ser debilitada, quem já foi ameaçado de demissão ou, simplesmente, demitido, sabe na própria pele como é angustiante essa fragilidade, especialmente no contexto de um país com altas taxas de desemprego e subemprego.

Ao ser perguntado se era o Messias que haveria de vir, Jesus respondeu: “os cegos veem, e os coxos andam; os leprosos são purificados, e os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho” (Mateus 11:5). Ao apresentar os pobres como destinatários de sua mensagem messiânica, Jesus deixou claro (e fez isso em diversas ocasiões) que o evangelho tem lado, tem opção: os fragilizados.

Segundo, a igreja primitiva, aquela de Atos dos Apóstolos, era formada basicamente por setores populares da sociedade, o cristianismo era, então, a religião dos escravos, dos servos, das mulheres, dos enfermos, ou seja, dos desamparados do sistema social e político da época; como um rastilho de pólvoras, o evangelho incendiava as periferias, por causa da sua mensagem de um Deus amoroso, que ama, cuida, inclui, celebra, consola e ensina aos seus fiéis ações semelhantes de inclusão, afeto e solidariedade.

Numa sociedade em que prevalecia o modelo organizativo das tribos e clãs onde tudo e todos estavam submissos e pertenciam ao patriarca, tanto em Israel quanto em Roma; especialmente entre os romanos, que acreditavam na superioridade da nobreza sobre os plebeus, o apóstolo Paulo, num rasgo de lucidez e iluminado pelo Espírito Santo, anunciou que “não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gálatas 3:28), quebrando a lógica da meritocracia e da superioridade étnica, de classes e de gênero. Isso era uma mensagem revolucionária para o sistema social da época.

Por fim, a Palavra de Deus conclama a todas e todos para que estejam engajados na luta pela justiça social, na defesa dos direitos dos pobres, dos trabalhadores, dos órfãos, da viúva, do estrangeiro. Não apenas o profeta Jeremias, na passagem citada em epígrafe neste texto, mas também o Salmista proclama “fazei justiça ao pobre e ao órfão; procedei retamente com o aflito e o desamparado” (Salmos 82:3); de forma semelhante o profeta Amós denuncia “vocês estão transformando o direito em amargura e atirando a justiça ao chão” (Amós 5:7).

Há aqueles que acham que a vida espiritual se dá dentro das igrejas, apenas com seus jejuns e campanhas, que adoração se resume aquele momento no louvor, com suas mãos levantadas e preces emotivas envolvas em choro. A esses o próprio Deus alerta: “Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo?” (Isaías 58:6) e, ainda, “afastem de mim o som das suas canções e a música das suas liras. Em vez disso, corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene” (Amós 5:24).

Quem conhece a origem do 1º de Maio como Dia dos Trabalhadores sabe que essa data ficou marcada internacionalmente a partir de uma greve dos operários em 1886 na cidade de Chicago, que lutavam por direitos básicos, salários e condições dignas de trabalho e redução da jornada de trabalho, que chegava a 17 horas diárias, sendo duramente reprimidos pelos patrões e pela polícia, resultando com a prisão, morte e centenas de trabalhadores feridos. Sobre o assunto, a Bíblia registra um forte alerta aos patrões “eis que o salário que fraudulentamente retivestes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos clama, e os clamores dos ceifeiros têm chegado aos ouvidos do Senhor dos exércitos” (Tiago 5:4).

Portanto, neste 1º de Maio e durante todos os demais dias não há outra alternativa para o cristão que não seja “abre a tua boca em favor dos que não podem se defender; sê o protetor dos direitos de todos os desamparados! Ergue a tua voz e julga com justiça, defende o pobre e o indigente” (Provérbios 31:8-9)

Fidelis Paixão, pr.
Belém – PA, 01 de Maio de 2019
Comunidade Cristã Abraça-me

segunda-feira, 29 de abril de 2019

O PT, OS EVANGÉLICOS E UM PROJETO DE NAÇÃO: Uma Mensagem aos participantes do I ENEPT


“E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que proveis qual é a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”. Romanos 12:2


Por esses dias, viralizou uma imagem de Bolsonaro com apetrechos judaicos, acompanhado do primeiro-ministro de Israel, pretensamente orando com as mãos sobre o Muro das Lamentações. Não se vai entrar aqui na questão da territorialidade do local, nem sobre o alinhamento entre os governos de extrema direita, mas no poder simbólico da imagem para os evangélicos fundamentalistas de todo o mundo, em especial os brasileiros, que imediatamente qualificaram a cena como um “Ato Profético”. Para eles, seria sinal de “benção” para o país, para eles, isso representaria um alinhamento da política internacional brasileira com os “propósitos de Deus” para a Nação.

E aqui se afirma a necessidade de pensarmos em três tarefas necessárias para enfrentarmos nas próximas décadas, respondendo a questões sobre o papel de um cristão, evangélico, petista e de esquerda no Brasil; o papel do PT no Brasil em sua relação com os cristãos evangélicos; e o debate sobre os desafios dos cristãos, evangélicos, suas Igrejas e  Comunidades, engajados politicamente num projeto de Nação. São questões definidoras do tipo de ação que precisaremos pactuar durante o I Encontro Nacional de Evangélicos Petistas.

Inicialmente é necessário pontuar que qualquer análise que relativize, sob qualquer hipótese, a influência determinante dos evangélicos na vitória de Bolsonaro e na derrota de Haddad, não encontra base nos fatos numéricos nem nos argumentos qualitativos.

Numericamente falando, os eleitores evangélicos correspondem a 27% do total de eleitores brasileiros. Segundo as pesquisas de opinião, na reta final do 2º turno, Bolsonaro tinha 70% dos votos dos evangélicos. Retiradas as abstenções, brancos e nulos pontuados, isso representa um contingente total de 19.488.623 de votos evangélicos despejados nesse candidato, que representaria 33% do total dos seus votos obtidos. Sem essa expressiva votação evangélica, Bolsonaro não teria os 10.756.941 de votos a mais que Haddad e que lhe garantiram a vitória.

Qualitativamente falando, é fato conhecido a prática militante que os evangélicos possuem, no sentido de buscar arrebanhar outras pessoas para aderirem ao seu modo de vida, impulsionados pela crença no chamado individual de cada cristão a se tornar um líder e mensageiro da Palavra. Esse fato carece de uma análise mais acuidosa, apontando para um crescente papel da influência dos evangélicos não apenas no resultado eleitoral, mas no processo político brasileiro e, ao mesmo tempo, na identificação de matriz teológica e ideológica que lhes dão essa conformação subserviente aos sistemas dominantes através de um pensamento conservador de bases, de fato, anti-bíblicas.


Sobre o papel de um cristão, evangélico, petista e de esquerda no Brasil

“Porventura não é este o jejum que escolhi, que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo e que deixes livres os oprimidos, e despedaces todo o jugo?” Isaías 58:6

Os cristãos fundamentalistas costumam ressaltar como maior marca de sua vida cristã a “santidade”, esse é um conceito que vem sendo trabalhado diuturnamente, especialmente nas igrejas pentecostais e neopentecostais, oriundas de uma teologia de base puritana. A esse conceito, os cristãos com uma visão crítica da sociedade, do evangelho e do mundo, contrapõem o conceito de “justiça”. E por muito tempo se perdura o embate entre os “santos” e os “justos”, ambos assentados em suas razões e visões teológicas, com dificuldade de dialogar entre si e, cada um, em sua devida medida, com razão sobre parte do que creem e ensinam.

Da nossa parte, só é possível quebrar esse paradoxo estabelecido, se conseguirmos aliar nossa reflexão crítica e análise política com um estilo de vida engajado com os mais pobres, com as comunidades que sofrem, com os excluídos, motivados e partícipes do processo de transformação no dia-a-dia da vida das pessoas e do sistema social excludente brasileiro. Sermos apenas “porta-vozes” da razão, “anunciadores” de uma palavra descomprometida com uma práxis, não nos credencia a enfrentar o pesado jogo oculto que se estabeleceu para arrastar o evangelho e a igreja para os valores do presente século, facilmente identificados com o estilo de vida consumista, individualista e arrivista que o evangelho tem assumido no Brasil.

Nesse sentido, nosso papel é viver em comunidade o evangelho que cremos. Disso decorrerá uma dificuldade que tem se apresentado que é: como continuar convivendo num ambiente onde prolifera um discurso fascista, arrivista e oportunista, conforme estamos presenciando na maior parte das igrejas? A resposta certamente dependerá da disposição e ânimo individual, pois alguns vão preferir se juntar e criar ou se integrar a comunidades que vivem de forma mais coerente o evangelho da comunhão e da inclusão, já outros preferirão permanecer no ambiente onde foram criados, enfrentando internamente as resistências, e para esses a única alternativa será aprofundar um estilo de vida engajado não apenas discursivamente, mas numa práxis de fato transformadora.

Somos nós que diremos às nossas igrejas e comunidades qual é o sentido bíblico do “profético”, que atos proféticos não eram aqueles praticados pelos Reis e Sacerdotes, mas pelos Profetas que em geral eram comprometidos com a dor, o sofrimento e a injustiça sofrida pelo povo, enfrentando em sua maioria a fúria do sistema político e religioso oficial, a exemplo do profeta Jeremias e dos apóstolos de Jesus. Somos nós que disputaremos dentro de nossas comunidades o sentido bíblico do evangelho de Jesus Cristo como um evangelho de inclusão, de comunhão, de transformação de vidas e de estruturas sociais, econômicas, políticas, sociais e religiosas. Somos nós que confrontaremos líderes, pastores, sacerdotes, falsos profetas e religiosos que se aproveitam da ingenuidade, da boa-fé, da necessidade e das fragilidades das pessoas para extorquirem seus valores econômicos e culturais. Somos nós que anunciaremos a construção do Reino de Deus e nele estaremos engajados.

De forma semelhante, complementar e interativa, é nosso papel dizer ao partido qual deve ser sua postura no relacionamento com o segmento evangélico cristão, resguardando alguns princípios basilares que encontram fundamento bíblico, tais como a laicidade do Estado, o respeito às demais tradições e crenças, a liberdade de expressão, pensamento e confissão de fé, as políticas públicas de inclusão e construção de sociedades justas, equitativas, solidárias e sustentáveis, além, é claro, de agirmos profeticamente alertando, denunciando e chamando de volta ao caminho da justiça, quando o partido ou seus líderes se desviarem desses valores. Não somos portadores de ícones ou ídolos, temos referências em líderes, mas preservamos o princípio da autonomia humana, somos sabedores bíblicos que a humanidade caiu e, portanto, qualquer pessoa humana é suscetível a desvios de condutas, a erros, que devem ser tratados da forma como Jesus nos ensinou: com amor e chamado ao arrependimento.


Sobre o papel do PT no Brasil em sua relação com os cristãos evangélicos

“Ele defendeu a causa do pobre e do necessitado, e, assim, tudo corria bem. Não é isso que significa conhecer-me? Declara o Senhor.” Jeremias 22:16

Se o PT deverá manter sua definição pela organização dos evangélicos filiados ou simpatizantes em Núcleos, criando ou não uma estrutura nacional específica para lhe dar suporte, assim como a definição do seu papel, partindo do acúmulo já iniciado em 2015 e sistematizado no documento “Sobre o Núcleo de Evangélicos do PT”, essa será uma questão certamente tematizada e que precisará de respostas neste I ENEPT, sob o risco desse segmento da população seguir ao largo das propostas e mensagens do partido, aprofundando um fosso que gerou tanta rejeição nesse processo eleitoral.

Ao não priorizar a estruturação de uma instância que fortaleça a organicidade de seus filiados cristãos evangélicos, poderá manter ou aumentar esse fosso; por outro lado, a criação de uma instância desse tipo possibilita o risco do partido se perder do seu projeto laico ou se tornar num ambiente de disputas por conceitos e identidades religiosas, ou, ainda mais, se tornar refém de um segmento que poderá se valer de sentimento corporativista para apoderar-se de espaços e políticas públicas privilegiadas, cenários que não são desejáveis em nenhum sentido.

A melhor forma de encarar essa tarefa de promover o diálogo, a interação e exercitar uma benéfica influência mútua entre o partido e o público cristão evangélico é potencializar a organização interna desse público, partindo de princípios basilares e com propósito(s) bem definido(s). Os princípios já foram anunciados acima, dos quais se ressalta a laicidade do projeto partidário, sempre com a clareza de que ser laico não significa deixar de reconhecer a importância, respeitar e dialogar com os movimentos religiosos ou de cunho espiritual, protegendo o direito de livre organização e manifestação da fé em suas diferentes tradições; sobre o(s) propósito(s) de uma organização desse tipo, torna-se desejável que sua missão seja promover o diálogo, a formação política e a ampliação da base social comprometida com o projeto de Nação apresentado pelo partido.

Dessa forma, uma organização partidária deve fugir das tradicionais dinâmicas de disputas internas por espaço, geralmente promovidas pelos setores partidários organizados, e se propor a uma missão maior, ao cercar-se das diferentes tradições de fé no próprio segmento cristão evangélico, promover sínteses em interação com o projeto partidário, apontando rumos não para as organizações religiosas em si, mas rumos para a Nação, consolidando em políticas públicas, princípios e valores que compartilhamos de promoção da equidade, da justiça, da tolerância, enfim.

Não cabe, neste momento histórico, a timidez, o recuo ou o lamento. Podemos nos inspirar, inclusive, na forma como o movimento wesleyano tem influenciado durante décadas o Partido Trabalhista Inglês, inclusive como uma corrente de formação de opinião para as decisões partidárias. Quando líderes políticos evangélicos brasileiros apoiaram Lula ou o PT, estavam fazendo apenas uma aliança tática, muitos membros da direção partidária se iludiram com isso, era apenas uma questão conjuntural, pois o fermento ideológico, anti-esquerda, pró-american way of life, já estava levedando a massa desde décadas anteriores. Daí a importância e a necessidade de organização de uma instância partidária dos cristãos evangélicos no partido.


Os desafios dos cristãos, evangélicos, suas Igrejas e Comunidades, engajados politicamente num projeto de Nação

“Assim diz Yahweh, o Eterno e Soberano Deus: Ai dos pastores de Israel que só cuidam de si mesmos! Porventura a missão dos pastores não é zelar pelo rebanho?  Entretanto, comeis a coalhada e vos vestis da lã; e ainda matais os melhores e mais robustos animais, mas desprezais o cuidado do rebanho.  Não fortalecestes a ovelha fraca, não curastes a doente, não enfaixastes a ferida, não trouxestes de volta as desgarradas nem buscastes as perdidas; pelo contrário, tendes dominado sobre elas com tirania e brutalidade.” Ezequiel 34:2b-4

No decorrer da história humana, homens e mulheres imbuídos de uma mensagem profética, de um profundo amor pelos seus semelhantes e comprometidos com o evangelho do Reino de Deus, se tornaram referência em processos de transformação de suas comunidades e Nações, tais como John Wesley e sua geração de discípulos que lutou arduamente pelo fim da escravidão, das rinhas de galos, das jogatinas públicas, que alfabetizaram crianças e seus pais operários naquilo que chamaram de Escola Bíblica Dominical e que posteriormente foi desvirtuado pela institucionalidade religiosa no modelo atual; como Marthin Luther King, pastor batista e maior referência da luta pelos direitos civis nos tempos modernos, que sacudiu sua Nação contra o apartheid; como Cornelia “Corrie” Ten Boom, da Igreja Reformada Holandesa e que foi participante ativa da luta contra o nazismo, quando muitos líderes cristãos se calavam ou aderiam às atrocidades do regime hitlerista; enfim, tantos outros podem ser citados, desde São Francisco de Assis, passando por Wilberforce, Desmond Tutu e uma infinidade de referências, inclusive no Brasil, que não se curvaram aos ídolos do presente século, mas mantiveram a coerência e integralidade entre sua fé e sua vida cidadã.

De forma semelhante podemos nos referir a comunidades de fé que expressaram uma vivência integral daquilo que criam, organizando trabalhadores, camponeses, fortalecendo lutas sociais por seus direitos, denunciando profeticamente estruturas de opressão, tais como os Morávios e sua integralidade de fé; os Anabatistas e sua arraigada crença na separação entre Igreja e Estado;  os Valdenses e Huguenotes e sua defesa dos camponeses contra a tirania dos Príncipes e do Estado; os incontáveis membros, lideranças e igrejas brasileiras que resistiram, sob perseguição, aos anos de chumbo da Ditadura Militar, dentre os quais podemos nos referir aos que se envolveram na construção da Confederação Evangélica do Brasil (CEB) e nas Comunidades Eclesiais de Base, entre tantos outros; enfim, não nos faltam exemplos de como a mensagem bíblica contribuiu para a construção de um mundo melhor. E é desses exemplos que nossas Comunidades de Fé atuais devem beber.

É bom relembrarmos que Deus não tinha um projeto monárquico para o seu povo, que Deus não queria Reis nem hierarquia sobre o seu povo, que seu modelo de governo era local e comunitário, baseado nos seus princípios e na sabedoria popular que se revelava no conselho de anciões. O apelo ao Direito divino para que tronos e linhagens se estabelecessem já foi um fenômeno posterior, recurso da ideologia para controle do povo e perversão dos propósitos de Deus. 

Não cabe ao partido dizer o que uma Comunidade de Fé deve ser, isso é nossa tarefa como cristãos engajados, mas cabe ao Partido possibilitar sim essa reflexão entre seus membros, disponibilizar estrutura para formação política, cabendo a essas Comunidades de Fé se tornarem parte do Projeto de Nação, num movimento de influência recíproca baseadas nos valores do Reino de Deus.


Como entender nossa tarefa nesse quadro de disputa cultural e ideológica

“Porquanto não há nada oculto que não venha a ser revelado, e nada escondido que não venha a ser conhecido e trazido à luz.” Lucas 8:17

Não deveria ter nos assustado tanto o fenômeno conservador que se manifestou até ao ponto do fascismo nas igrejas evangélicas nesses últimos tempos, diante da carga ideológica que foi lançada sobre suas costas durante tantas décadas, inicialmente pelo protestantismo oficial norte-americano a serviço da Guerra Fria e, num segundo momento, pelo fenômeno também originado naquele país do neopentecostalismo, dos televangelistas e da teologia da prosperidade, a partir dos anos 80.

Quem não se lembra de Jimmy Swaggart chorando no seu bilionário programa televisivo, durante o governo Reagan, relatando o “sonho profético, dado por Deus em forma de visão”, em que via campos de trigos floridos dos EUA sendo devastados por armas nucleares russas, no que ele denominava de Armagedon em iminência de acontecer?! A membresia das Assembleias de Deus foi forjada debaixo desse jugo teológico-ideológico, enquanto os EUA invadiam países, matavam pessoas, perseguiam lideranças de esquerda, justificados por uma visão teleológica a serviço do mercado.

Não muito tempo depois, Swaggart foi desmascarado em seu discurso de falsa moralidade, exatamente como tem acontecido no Brasil com uma quantidade incontável de arautos da falsa moralidade pública e ética, exatamente porque esse é o papel da ideologia, mascarar. Mas sabemos a verdade bíblica de que nada que está oculto permanecerá sem ser revelado.

É ingenuidade desconhecer o papel da ideologia para mascarar e ocultar interesses de poder, de opressão de classes e de acúmulo de riquezas, sob o manto da liberdade, da legalidade, da religiosidade, forjando uma realidade virtual bem ao gosto dos irmãos Wachowski (Matrix), cumprindo bem o papel de manutenção de poder das classes dominantes. Os profetas bíblicos bem sabiam disso, como Ezequiel que denunciou a abominação cometida pelos sacerdotes no Templo às escondidas do povo.  

Nossa tarefa não é fácil nem pequena. Quantos de nós, desde crianças, não ouvimos em nossas Igrejas as histórias dos valorosos pregadores da Palavra de Deus, geralmente norte-americanos, perseguidos pelos atrozes ateístas da Rússia Comunista e seus aliados? Quantos de nós não ouvimos que deveríamos nos “separar do mundo”, o que gerou um estilo de vida arraigado na separação do conjunto da cidade, da escola e das organizações “seculares” e de um cotidiano alienado que privilegiava somente aquilo que era considerado “espiritual”, geralmente associado a atividades interna corporis da igreja? Quantos de nós não aprendeu na infância a musiquinha que dizia que este mundo iria pegar fogo e nós iríamos morar no céu, fomentando uma atitude utilitária e de descarte baseada na distinção entre o ambiente natural e o cultural, com uma relação baseada na dominação tirânica e no controle humano sobre os animais e a fauna? Quantos de nós não crescemos aprendendo que Abraão era um homem “abençoado” por ter muitos bens, animais e tesouros, ao passo que a pobreza era sinônimo de ausência de Deus e de bênçãos divinas? Quantos de nós não cresceu tendo como heróis Daniel Boone e sua imposição cultural sobre os “aborígenes”, ou do Super Man, da Mulher Maravilha, do Capitão América, como símbolos da bondade e da justiça automaticamente associados ao estilo de vida norte-americano?

O que não nos contaram é que todo esse quadro ‘matrixiano’ era minuciosamente planejado nas pranchetas das Corporações que lucraram com a Guerra Fria e continuam lucrando com a máquina de guerra,  numa geopolítica em que a nós é reservado o papel apenas colônia, quintal, área de influência para fornecimento de matéria-prima barata! E é sobre essa herança cultural que estamos lutando nos dias atuais.

É a partir da compreensão desse cenário, dessa herança, que devemos traçar as linhas e estratégias de nossas ações de formação política como elemento-chave para a disputa ideológica e a consolidação dos valores do Reino de Deus que se contrapõem à máquina beligerante de guerra, ao consumismo como critério para a felicidade, ao dualismo que separa a cultura do natural e o humano do sobrenatural, ao arrivismo como meta de vida, ao individualismo competitivo que fundamenta uma vida social artificial em que a solidariedade se perde em momentos formais de alívio de uma consciência pesada. É somente a partir do nosso compromisso com o Evangelho da Graça, com o Deus do Amor, da Misericórdia e da Justiça, que seremos iluminados para essa missão que nos propomos a consolidar.

Temos o desafio de inaugurar imediatamente um debate sobre métodos para estudo popular e coletivo da Bíblia, podendo partir do método “ver-julgar-agir”, incluir temáticas atuais e desafiadoras, tais como uma visão fundamentada biblicamente sobre ecologia e meio ambiente, sobre protagonismo juvenil e feminino, sobre direitos humanos, racismo e afirmação dos direitos das minorias, além das questões já assentadas sobre economia, trabalho digno e justiça equitativa, entre tantos outros. 

Cabe-nos, portanto, fazer o bom combate da fé alicerçada na Palavra do Verbo que se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, enfrentar a disputa ideológica denunciando esquemas que geram a morte e profetizando vida sobre o Vale de ossos secos no qual o Brasil está sendo transformado.  

“Fazer justiça e julgar com retidão é mais aceitável ao Senhor do que oferecer-lhe sacrifício.” Provérbios 21:3


São Paulo, 5 e 6 de abril de 2019

Esse texto-base visa estimular a reflexão e foi apresentado no I ENEPT - Encontro Nacional de Evangélicos Petistas, subscrito pelas pessoas abaixo. Mais informações através do e-mail fidelispaixao@yahoo.com.br


Assinam:
Fidelis Paixão (Pará)
Carlos Paixão (Maranhão)
Luís Sabanay (Santa Catarina)
José Barbosa Jr. (Minas Gerais)
Neivia Lima (Bahia)